Hoje eu assisti Moana pela milésima vez. Meus filhos são alucinados por essa história; e mesmo eu reconhecendo que realmente Moana é uma história incrível eu não entendia o porquê de tanta obsessão por parte dos meninos. Pelo menos, até hoje. Sim, porque hoje assistindo tive uma espécie de epifania e chorei.
Sempre olhei pro filme Moana pelo lado do empoderamento feminino. Da mulher que foge do estereótipo da princesinha frágil e se mostra uma guerreira, salvadora do mundo. E isso por si só já é maravilhoso. Mas especialmente hoje outros três personagens me chamou a atenção.
Primeiro Maui a figura masculina da história, um semideus que sacrifica tudo em troca do amor da humanidade. Por fora uma aparecia forte, grande e intimidadora, por dentro uma personagem frágil, cheia de dúvidas e amorosa. Tudo que Maui fez de bom e de ruim tinha um só objetivo: conquistar o amor da humanidade que o tinha rejeitado. “Veio para os seus, mas os seus não o quiseram”. Impossível não olhar pra Maui e não voltar meus pensamentos a figura de Jesus, não por achar que eles são iguais, mas porque existem semelhanças que são importantes de serem percebidas.
Ao longo de nossa caminhada cristã aprendemos a acreditar em um Jesus forte, onipotente, grandioso e por vezes, intimidador, não que ele não seja essas coisas, mas, não são elas que fazem dele O Cristo. É a sua fragilidade (se fez carne), é a sua fraqueza (aí é que sou forte), e suas dúvidas (o princípio de toda fé) que torna Jesus o Cristo – o Ungido de Deus; e acima disso tudo é no seu amor incondicional pela humanidade que Ele se mostra Deus!
Insistem em “vendê-lo” como um leão, não que ele também não seja, mas, esquecem que Ele veio para ser “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Existem mais semelhanças entre Maui e Jesus do que poderia imaginar minha vã filosofia. Mas, é o amor pela humanidade a liga maior entre eles.
Assim como Jesus, e a seu modo, Maui seria capaz de ir às últimas consequências para ter o amor incorrespondido da humanidade, seria capaz de se arriscar, de ser expulso do mundo dos deuses para dar o “dom da vida” aos homens e mulheres, representado pelo coração de Te Fiti. De modo semelhante, Jesus também foi até as últimas consequências para que nós pudéssemos ter vida, vida em abundância e corresponder o seu amor. Um Deus que chora, que questiona o abandono de seu Pai, que sente dor. Um Deus que sangra como eu e morre. Porque a vida não se acaba com a morte, ela recomeça.
Maui e Jesus me fez lembrar que o amor ao próximo é muitas vezes renúncia, sacrifício, enfrentamento e resistência a tentação da vaidade, da gloria e adoração bajuladora que acomodam nossa sede de justiça e nos faz lutar em benefício próprio, do nosso grupo. Com eles entendermos que amor é entrega incondicional, nem que isso nos custe a nossa existência ou aquilo que damos mais valor nessa vida. É lutar até o fim das forças para que a justiça seja feita e a ordem seja reestabelecida. Porque não existe amor sem fome e sede de justiça.
A segunda personagem que se apresentou de outra forma pra mim foi Tamatoa, o crustáceo gigante que mora nas profundezas do oceano, envaidecido do brilho que os peixinhos buscam para ele. O mais interessante, e que só percebi nessa vez, é que os peixinhos que procuram “as riquezas” do Tamatoa viram em seguida o seu almoço. E para mim, foi inevitável não comparar esse grande ser marinho com a igreja que temos hoje.
A igreja, que no seu sentido ontológico significa “sair pra fora”, deixou de ser o local que capacita as pessoas a viver de forma ética e responsável no mundo e para o mundo, para ser esse espaço isolado da realidade, nas profundezas de uma “verdade” metafísica, vivendo da vaidade de seus fiéis que “insistem em se alimentar de leite, ao invés de comida sólida” e que se contentam em permanecer com uma mentalidade de rebanho.
Assim como os peixinhos do Tamatoa, os fiéis vivem para alimentar o ego de seus líderes, donos da ortodoxia e da sã doutrina. A quem se atrever entrar no reino de Tamatoa para questionar a ordem estabelecida só resta uma sentença: virar comida de siri. Apostata, desviado, amaldiçoado, endemoniado, são dos xingamentos os mais simples na execução sumária que agora também se dá de modo virtual.
No reino de Tamatoa só há lugar para um deus, com todo o “seu” brilho” e uma complexa rede de vaidades. Peixinhos serão sempre peixinhos. Seguir a ordem e a hierarquia “natural” das coisas é sinal de reverência e temor. Afinal de contas, quem colocou Tamatoa no topo da hierarquia? Certamente foi predestinado por Deus!
A terceira figura que me chamou a atenção foi Te Ka, ou seria Te Fiti? Te Ka é Te Fiti, as duas criaturas são como faces de uma mesma moeda. Não existe uma sem a outra, são uma unidade. O mosntro e a deusa habitam no mesmo corpo. Alguém se identifica?
Sim! Te Ka-Te Fiti somo nós! Bem e mal habitando em um mesmo corpo, nos lembrando que somos filhos de Deus e ao mesmo tempo pó, colocando fim na dualidade existente entre bem e mal (nossa herança platônica). Bem e mal em nós são como faces de uma mesma moeda. Somos capazes de com a “língua bendizer o Senhor e Pai, porém com ela amaldiçoar nossos semelhantes, criados à imagem de Deus. Da mesma boca procedem bênção e maldição”.
Então, todo cuidado é pouco antes de você sentenciar alguém. Bandido bom é bandido “que tem seu coração devolvido”! Sim, porque tenho dúvidas que o coração dele foi roubado por alguém. Não necessariamente uma pessoa, mas as desigualdades e a injustiças da vida também podem roubar o nosso coração. E lembre-se: quem não tem nada, não tem nada a perder.
Cristo sabia disso: é necessário e possível devolver o coração da humanidade. Maui também sabia (no fundo ele sabia) que precisava devolver o coração de Te Fiti. E quanto a nós? O que nos compete saber? Que somos luzes e trevas. Uns mais luz, outros mais trevas… o que determina isso são uma infinidade de variáveis: família, sociedade, cultura, escolhas pessoais (sim, também temos a nossa responsabilidade), etc. Mas, independentemente do grau de trevas que possamos ver numa pessoa, saiba que ali existe lugar para a luz. Maui, mesmo rejeitado, apostou seu anzol; Jesus sabia disso e apostou a sua vida. E você? Aposta o que?
Obrigada.
De nada.