Hoje eu assisti Moana pela milésima vez. Meus filhos são alucinados por essa história; e mesmo eu reconhecendo que realmente Moana é uma história incrível eu não entendia o porquê de tanta obsessão por parte dos meninos. Pelo menos, até hoje. Sim, porque hoje assistindo tive uma espécie de epifania e chorei.

Sempre olhei pro filme Moana pelo lado do empoderamento feminino. Da mulher que foge do estereótipo da princesinha frágil e se mostra uma guerreira, salvadora do mundo. E isso por si só já é maravilhoso. Mas especialmente hoje outros três personagens me chamou a atenção.

Primeiro Maui a figura masculina da história, um semideus que sacrifica tudo em troca do amor da humanidade. Por fora uma aparecia forte, grande e intimidadora, por dentro uma personagem frágil, cheia de dúvidas e amorosa. Tudo que Maui fez de bom e de ruim tinha um só objetivo: conquistar o amor da humanidade que o tinha rejeitado. “Veio para os seus, mas os seus não o quiseram”. Impossível não olhar pra Maui e não voltar meus pensamentos a figura de Jesus, não por achar que eles são iguais, mas porque existem semelhanças que são importantes de serem percebidas.

Ao longo de nossa caminhada cristã aprendemos a acreditar em um Jesus forte, onipotente, grandioso e por vezes, intimidador, não que ele não seja essas coisas, mas, não são elas que fazem dele O Cristo. É a sua fragilidade (se fez carne), é a sua fraqueza (aí é que sou forte), e suas dúvidas (o princípio de toda fé) que torna Jesus o Cristo – o Ungido de Deus; e acima disso tudo é no seu amor incondicional pela humanidade que Ele se mostra Deus!

Insistem em “vendê-lo” como um leão, não que ele também não seja, mas, esquecem que Ele veio para ser “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Existem mais semelhanças entre Maui e Jesus do que poderia imaginar minha vã filosofia. Mas, é o amor pela humanidade a liga maior entre eles.

Assim como Jesus, e a seu modo, Maui seria capaz de ir às últimas consequências para ter o amor incorrespondido da humanidade, seria capaz de se arriscar, de ser expulso do mundo dos deuses para dar o “dom da vida” aos homens e mulheres, representado pelo coração de Te Fiti. De modo semelhante, Jesus também foi até as últimas consequências para que nós pudéssemos ter vida, vida em abundância e corresponder o seu amor. Um Deus que chora, que questiona o abandono de seu Pai, que sente dor. Um Deus que sangra como eu e morre. Porque a vida não se acaba com a morte, ela recomeça.

Maui e Jesus me fez lembrar que o amor ao próximo é muitas vezes renúncia, sacrifício, enfrentamento e resistência a tentação da vaidade, da gloria e adoração bajuladora que acomodam nossa sede de justiça e nos faz lutar em benefício próprio, do nosso grupo. Com eles entendermos que amor é entrega incondicional, nem que isso nos custe a nossa existência ou aquilo que damos mais valor nessa vida. É lutar até o fim das forças para que a justiça seja feita e a ordem seja reestabelecida. Porque não existe amor sem fome e sede de justiça.

A segunda personagem que se apresentou de outra forma pra mim foi Tamatoa, o crustáceo gigante que mora nas profundezas do oceano, envaidecido do brilho que os peixinhos buscam para ele. O mais interessante, e que só percebi nessa vez, é que os peixinhos que procuram “as riquezas” do Tamatoa viram em seguida o seu almoço. E para mim, foi inevitável não comparar esse grande ser marinho com a igreja que temos hoje.

A igreja, que no seu sentido ontológico significa “sair pra fora”, deixou de ser o local que capacita as pessoas a viver de forma ética e responsável no mundo e para o mundo, para ser esse espaço isolado da realidade, nas profundezas de uma “verdade” metafísica, vivendo da vaidade de seus fiéis que “insistem em se alimentar de leite, ao invés de comida sólida” e que se contentam em permanecer com uma mentalidade de rebanho.

Assim como os peixinhos do Tamatoa, os fiéis vivem para alimentar o ego de seus líderes, donos da ortodoxia e da sã doutrina. A quem se atrever entrar no reino de Tamatoa para questionar a ordem estabelecida só resta uma sentença: virar comida de siri. Apostata, desviado, amaldiçoado, endemoniado, são dos xingamentos os mais simples na execução sumária que agora também se dá de modo virtual.

No reino de Tamatoa só há lugar para um deus, com todo o “seu” brilho” e uma complexa rede de vaidades. Peixinhos serão sempre peixinhos. Seguir a ordem e a hierarquia “natural” das coisas é sinal de reverência e temor. Afinal de contas, quem colocou Tamatoa no topo da hierarquia? Certamente foi predestinado por Deus!

A terceira figura que me chamou a atenção foi Te Ka, ou seria Te Fiti? Te Ka é Te Fiti, as duas criaturas são como faces de uma mesma moeda. Não existe uma sem a outra, são uma unidade. O mosntro e a deusa habitam no mesmo corpo. Alguém se identifica?

Sim! Te Ka-Te Fiti somo nós! Bem e mal habitando em um mesmo corpo, nos lembrando que somos filhos de Deus e ao mesmo tempo pó, colocando fim na dualidade existente entre bem e mal (nossa herança platônica). Bem e mal em nós são como faces de uma mesma moeda. Somos capazes de com a “língua bendizer o Senhor e Pai, porém com ela amaldiçoar nossos semelhantes, criados à imagem de Deus. Da mesma boca procedem bênção e maldição”.

Então, todo cuidado é pouco antes de você sentenciar alguém. Bandido bom é bandido “que tem seu coração devolvido”! Sim, porque tenho dúvidas que o coração dele foi roubado por alguém. Não necessariamente uma pessoa, mas as desigualdades e a injustiças da vida também podem roubar o nosso coração. E lembre-se: quem não tem nada, não tem nada a perder.

Cristo sabia disso: é necessário e possível devolver o coração da humanidade. Maui também sabia (no fundo ele sabia) que precisava devolver o coração de Te Fiti. E quanto a nós? O que nos compete saber? Que somos luzes e trevas. Uns mais luz, outros mais trevas… o que determina isso são uma infinidade de variáveis: família, sociedade, cultura, escolhas pessoais (sim, também temos a nossa responsabilidade), etc. Mas, independentemente do grau de trevas que possamos ver numa pessoa, saiba que ali existe lugar para a luz. Maui, mesmo rejeitado, apostou seu anzol; Jesus sabia disso e apostou a sua vida. E você? Aposta o que?

Obrigada.

De nada.

Hoje, 31 de outubro, a igreja evangélica brasileira está comemorando o dia da Reforma Protestante. Com o lema “uma igreja reformada sempre reformando”, Lutero, pai da reforma, insinuou começar a pensar a igreja como uma espécie de “metamorfose ambulante” que jamais se conformaria com respostas simplistas, não abriria mão da dúvida, do questionamento, do ressignificar.

Contudo, hoje, cinco séculos depois da reforma luterana, o que observamos na grande maioria das igrejas evangélicas brasileira, que se dizem herdeiras dessa primeira reforma, é uma instituição caduca, engessada, retrograda e capitalista; que se esqueceu da sua missão primeira para angariar rebanho a fim de abastecer os seus cofres.

A missão da igreja, de acordo com o teólogo Juan Luis Segundo, é ser sinal de salvação, e conscientizar o ser humano que o amor de Deus já se manifesta no mundo e os convida à prática do bem. Ao invés disso, tais igrejas, transformaram a missão em doutrinas estanques e sem sentido, assistencialismo narcísico e números que só servem para aumentar o “prestígio de suas babéis”, gerando uma massa alienada, apolitizada, egocêntrica e que é incapaz de se colocar no lugar do diferente.

Nesse modelo de igreja as pessoas não precisam ser conscientizadas, elas apenas precisam comparecer às reuniões, celebrações, eventos e cultos “de adoração” (a quem?), tudo com o intuito de criar uma mentalidade “de rebanho” não permitindo que membresia se espalhe novamente. Juan Luis Segundo (in SOARES, 2005, p. 54**) adverte que:

Para ser fiel à sua missão de transmitir a Palavra de Deus, a Igreja deve subordinar o fator numérico à qualidade de sua presença e significação, expressar a metamensagem da revelação com gestos concretos de amor, traduzir sempre de novo esta (meta)mensagem diante de novas circunstâncias históricas, construir-se como comunidade real e manter um constante diálogo com o mundo. A essência e função da Igreja definem-se pelo serviço e diálogo com o mundo, dado que a verdade proveniente da revelação, que ela anuncia, é maior que ela a Igreja mesma.

Para isso, as denominações teriam que abandonar seus projetos megalomaníacos, a lógica babelística, hegemônica e narcísica que as configuram, em direção de outro projeto que tem como características o serviço, o diálogo e o amor, logo, o caminho da constante reforma. Nesta nova proposta não há espaço para vaidades individuais, projeções denominacionais, disputas pelo poder, enclausuramento ascético, imbecilização dos fiéis, perpetuação de dogmas e doutrinas, individualismo e egoísmo.

Em uma igreja que sempre está se reformando as pessoas são imprescindíveis, mas, o templo e as salas de catecismos são irrelevantes. Não é necessários dízimos, nem cultos, também não existe necessidade para hierarquias – não existe a relação líder-membro, ou ainda pastor-rebanho. A única necessidade de uma igreja em constante movimento é de um lugar onde possamos crescer na Graça e no conhecimento a partir de pequenos grupos com interesse comum por um assunto; um local onde poderíamos ler e debater para juntos construirmos um conhecimento que emerge do meio da comunidade. Não existe aquele que fala e aquele que ouve, todos são sacerdotes, todos são importantes, falam e escutam num processo dialético que possui como referenciais a ética, a estética, o respeito mútuo, a justiça e a solidariedade.

Uma igreja reformada entende que somente aquilo que é vital é aprendido. A igreja que parou de se reformar prefere se manter engessada, dogmática e ensinando conteúdos que não estão colado a vida. Isso explica o desinteresse da sua membresia pelos problemas sociais, pela política (a não ser que eu “ganhe algo”), com os direitos civis, etc.

Em uma igreja em constante reforma a luta pela justiça é algo que deve garantir o bem estar de todos independentemente de raça, crença ou sexualidade. Jesus, em seu mais famoso sermão nos ensina que “bem–aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão saciados” (Mateus, 5:6). Em outras palavras, a justiça deveria ser algo tão imprescindível para nós quanto à vontade de comer! Fome de justiça!

Nunca vi tanto ódio sendo destilado por pessoas do meio evangélico, que se dizem defensoras da justiça e do amor incondicional de Deus. A “luta pela justiça” por parte dessas igrejas engessadas só acontecem se esta incorrer em benefício particular de alguma forma… algo totalmente mesquinho e anticristão, uma vez que no cristianismo o princípio fundamental que nos identifica é a busca do bem estar do outro, o diferente de mim (“eu vim para servir, e não para ser servido”).

Esquecem-se (ou por ignorância não sabem) que a justiça não está a favor de um grupo, ou uma classe social, raça, partido político, etc. Não se pode falar de promoção da justiça sem falar de respeito e na igualdade de todos os cidadãos. Todavia, isso só pode ser possível por intermédio da preservação dos direitos em sua forma legal e da sua aplicação.

O conhecimento sobre Deus é uma árvore que cresce da vida. Sei que existem igrejas que têm boas intenções, e que se esforçam para que isso aconteça, a elas meu mais profundo respeito. Mas, na maioria das vezes, mesmo nessas igrejas as boas intenções são abortadas pela obrigação de cumprir o rito sagrado, ensinar a doutrina correta. Suas pregações são entidades abstratas, prontas, fixas, com uma ordem certa. Ignoram a experiência que o indivíduo está vivendo. Aí tenta-se, inutilmente, produzir vida a partir dos conceitos.

A reforma protestante não é um acontecimento que ocorreu no século XVI e ficou lá no passado; ela é um evento dinâmico e para fazer sentido na igreja precisaria ser uma constante, algo que nunca se esgota, pois a vida é dinâmica e precisa de respostas que atendam aos seus contextos. Ela tem que ser sempre atual. Precisamos, urgentemente, de uma leitura bíblica e uma teologia que reflita “criticamente sobre os fundamentos e a coerência interna de sua própria tradição de fé” (SOARES, 2008, p. 34***) se quisermos que a nossa evangelização continue a ser um acontecimento de Boas Novas, e não um escândalo, ou ainda um veículo cultural estranho. Precisamos de reforma continua para de fato nos tornar celebração da vida e da justiça e não motivo de vergonha e repulsa.


* Termo utilizado por Gedeon Freire Alencar.

** SOARES, Afonso M. L. Dialogando Com Juan Luis Segundo (org.). São Paulo: Paulinas, 2005.

*** SOARES, Afonso M. L. No espírito do Abbá: fé, revelação e vivências plurais. São Paulo, SP: Paulinas, 2008.

heitor

Meu textão de dia dos namorados desse ano não será para meu marido Geraldo… Vai para a pessoinha mais linda que pude conhecer e ter o prazer de gerar: o Heitor. Ontem ele chegou pra mim pedindo para comprar chocolates para ele levar para o colégio e dar para uma “paquerinha” dele. Fiquei sem palavras! O que dizer para uma criança de 5 anos que se diz gostar de uma colega de escola?

Perguntei para ele o que era paquerar. “Sabidamente” ele foi me dizendo, como se quisesse se defender: “- Criança não namora, mas, pode ficar olhando durante a aula para uma menina que ele gosta e isso é paquerar”.  Rubem Alves, em uma das suas crônicas, diz que “é através dos olhos que as crianças tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo. (…) As crianças não vêem “a fim de”. Seu olhar não tem nenhum objetivo prático. Vêem porque é divertido ver”. Deve ser por isso que pra o Heitor paquerar é FICAR OLHANDO MUITO PARA QUEM SE GOSTA.

Mesmo receosa do que os pais da menina poderiam pensar, fui a uma loja de chocolates e pedi que ele escolhesse o que ele quisesse para dar. Ele se dirigiu a um coração rosa cheio de bombons e disse: – É esse! Comprei (claro que tive que comprar outro chocolate pra ele) e ele foi satisfeito para casa. Coloquei no embrulho uma etiqueta e escrevi “Criança não namora, mas demonstra amor” e ele assinou com próprio punho no final.

Hoje de manhã, o levei pra a escola (atrasados como sempre) e fui deixa-lo na sala. Nessas horas percebo mais do que nunca que mãe é bicho besta! Sabe aquele frio no pé da barriga? Quase tive uma crise de ansiedade. E se a menina não receber o presente? E se ele não tiver coragem de entregar? E se…? Muitos “e se” povoaram minha mente do portão da escola até a porta da sala. O nervoso tomou conta de mim. Enquanto isso, Heitor ia tranquilamente fazendo seu caminho, como se hoje fosse um dia como qualquer outro – próprio da ingenuidade das crianças. Porque pra mim, hoje foi um divisor de águas: deixei de ser a namorada do meu filho. Sonhei tanto com esse dia e quando ele chegou doeu (vou ter muita coisa para falar na próxima sessão da terapia). Lembrei-me mais uma vez de Rubem Alves, em uma outra crônica, quando ele diz que o “amor é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação”.

Ao chegar na sala, chamei a professora para alertá-la das cenas dos próximos capítulos. Heitor, que de bobo não tem nada, percebendo do que poderia se tratar o assunto da conversa, foi logo soltando: trouxe chocolates para AC (melhor deixar o nome dela em segredo)!  A professora riu e tentou agir naturalmente pedindo que ele fosse guardar a mochila. Vendo a minha aflição tentou me tranquilizar dizendo que nessa idade é normal esse tipo de atitude.

Quase que forçadamente tive que sair da sala (porque se fosse pelo meu gosto estaria lá ate agora) e ir trabalhar. Ele não entregou o presente na minha frente. Foi me deixar no portão de saída das salas do Infantil 5, me deu um beijo selinho e disse que me contava tudo quando eu chegasse em casa. Sai com um nó na garganta. Uma vontade de chorar imensa. Desabei no carro na frente do Geraldo, que na tentativa de me consolar disse: – Ele tá crescendo, finalmente desapegando mais de ti. Meu mundo caiu.

Mas o que esperar de uma criança que em casa tem a experiência de ver pais que se amam? Que no dia-a-dia se respeitam, demonstram carinho e cuidado um para com o outro? A criança imita o exemplo dos adultos. Percebo que em parte o Heitor externa o que presencia em casa:  um casal, que apesar das dificuldades, diferenças e defeitos, se ama e demonstra carinho um pelo outro. Presente maior eu não podia esperar hoje, de ver que o amor se ensina amando. E mais, finalmente entender que “quem não pode suportar a dor da separação não está preparado para o amor. Porque o amor é algo que não se tem nunca. É evento de Graça.” (Rubem Alves)

FELIZ DIA DOS NAMORADOS!

1619564_10206254121091200_7995697309334878361_n Se existe uma definição para mim, quero que seja esta: alegre de alma e de coração! Sou de 25 de fevereiro e por isso, tenho o carnaval no meu sangue e na minha carne. Meu signo é peixes com ascendente em touro, logo não sou morna, o meio termo não me define, sou quente ou frio, vou do 8 ao 80 em um minuto; me lanço ao drama, ao espetáculo, a extravagância, ao fantástico, mas sem tirar os pés do chão. Preciso da mediação. Sou sensível e bruta por natureza.

Católica de formação, daí vem minha universalidade, e protestante por opção; não me convenço fácil, detesto respostas simplórias e fantasiosas, protesto contra toda forma de discriminação! Tento ser integra em todo o meu proceder; não gosto de máscaras, nem me dou a hipocrisia. Transito em todos os lugares acreditando que meu caráter vale e diz mais sobre mim do que uma falsa espiritualidade.

Roqueira por identificação, mas posso gostar de um forrozinho se estiver com amigos e uma cerveja bem gelada! Escritora por ousadia… Não me expresso bem, tropeço nas palavras, subverto a gramática e contrario a concordância, mas, ainda assim, a escrita me liberta.

Filha de cearense com mineiro (adoro feijão tropeiro com rapadura!): uma candanga que aprendeu ser nordestina de coração (e com muito orgulho). Uma amiga extrovertida, professora vocacionada, filha dependente, mãe apaixonada, mulher guerreira e esposa de difícil trato. Quero ser tudo, pois o pouco não me satisfaz!

Hoje, aos 36 anos, não me arrependo de nada do que fui (sim, já fui muitas), nem do que experimentei; só lamento pelas coisas que por medo ou covardia não vivi. Quero mais! Mais 36… não, mais 36×36 anos! Quero sentir mais, ouvir mais, ser mais, viver mais. Quero o amor da minha família, a alegria dos amigos, o prazer de viajar e conhecer novos lugares e pessoas. Quero vida “e vida em abundância”!

Os que me acompanharam até aqui, que possam testemunhar da minha felicidade e vontade de viver; os que não me conhecem, convido para vivenciarem, pelo menos uma vez, desta minha saborosa e fantástica passagem pela efêmera vida. Feliz aniversário para mim!

Durante anos escutei, de muitos companheiros de fé e caminhada, a seguinte máxima: “Odeio o pecado, mas, amo o pecador”. E o engraçado é que sempre escutei isso com grande naturalidade e confesso que até com muita simpatia.

Nas entrelinhas dessa afirmação, meus colegas estariam dizendo algo que até pouco tempo (confesso) achava correto e por que não justo: odeio o roubo, mas amo o ladrão; odeio a mentira, mas amo o mentiroso; odeio a hipocrisia, mas amo o hipócrita; chegando inclusive ao absurdo de dizerem odeio o homossexualismo, mas amo o homossexual, tendo por igual valor a homossexualidade com o ato de roubar, mentir, e tantas outras ações depreciativas.

Por sinal, esse último argumento tem servido de fundamento para que muitos demonstrem seu desamor, desrespeito e des-graça (repletos de hostilidade) para os que escolheram manter uma relação homo afetiva, ou os que mesmo sendo hetero, lutam pelos direitos dos homossexuais. Contudo, o maior agravante desse tipo de pensamento está no fato desse reduzir a questão da homo afetividade a mero problema comportamental, o que considero inadmissível em nossos dias.

Dissimulando um ar de piedade, os que se escondem atras desse tipo de argumento mostram-me cada vez mais na prática, o que Ricardo Quadros Gouveia chamou de “piedade pervertida”. Contudo, isso é um outro assunto, que inclusive, já discorri em outro texto (TODA FORMA DE AMOR VALE A PENA…).

A minha grande questão com esse escrito é: podemos separar as pessoas de seus atos? Não serão nosso atos – palavras e ações – que dizem muita coisa do que somos? Claro que somos muito mais daquilo que fazemos e do que deixamos de fazer (esse último pode dizer muito mais coisa do que o primeiro), mas, também não podemos negar que nossas ações norteiam quem de fato somos.

E como ninguém é formado somente de virtudes, aquilo que julgamos ser mal também é peça importante, matéria-prima de quem nos tornamos diariamente. Como já dizia meu amigo Ricardo Gondim (e tantos outros antes dele) somos “luzes e sombras”.

Sendo assim, quem se propõe a me amar, tem que estar disposto a abraçar a integralidade do meu ser, minhas luzes e sombras, virtudes e pecados, graças e desgraças. Pois é isso o que de fato sou. Tudo junto e misturado.

Não seria essa a grande Boa Nova do Pai para a humanidade: “Venha como estás!” Deus te ama e te recebe do jeito que você é, sem que seja preciso fazer mais nada. Alguém pode até chamar isso de “graça barata”, mas eu prefiro a definição de Brennan Manning, “graça gratuita”, e ela se basta. É suficiente.

Por acaso, não seria isso que o apóstolo Paulo quis nos ensinar quando disse: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”? Ou seja, o outro não deve ser medido pelo tanto de “mal” que você enxerga nele, e sim pela graça e perdão que outrora inundou a sua vida (…aquilo que de graça recebi, de graça dou…).

Como então separar pessoa e ação? Não seria como separa “alma e espírito, juntas e medulas”? Será que na tentativa de fazer isso não incorremos no risco de amar uma farsa, ou melhor, uma pessoa de mentira, que só existe na fantasia hipócrita de um mundo ideal, repleto de pessoas idealizadas?

Na minha inquietação, prefiro o caminho de aceitar as luzes e sombras que existem em mim e amar os outros que à minha semelhança, estão longe da perfeição, mas aceitam o desafio diário de se tornarem pessoas melhores, a ter que escolher o caminho que nos leva a construir ídolos para amar e conviver.

Quero ser alguma coisa a cada minuto de cada hora da minha vida. Quero ser alegre; quero ser triste; indiferente, e depois acolhedora. Sentir fome (…) e ter muito o que comer. Quero andar em andrajos, ou muito bem vestida. Quero ser sincera e insincera. Quero falar a verdade, e depois mentir. Quero ser irrepreensível, e também pecadora. Quero apenas ser alguma coisa a cada minuto bendito. Ao dormir, quero sonhar o tempo todo, para que nenhum pedacinho de vida se perca. (Betty Smith, em Uma árvore floresce no Brooklyn)

Não é novidade a minha paixão por histórias em quadrinhos e, por isso mesmo, mantenho o hábito prazeroso de sempre comprar revistas, álbuns e literatura do gênero. Nesta semana, fiz novas aquisições para meu acervo quadrinístico. Mas, contrariando meus hábitos, não comprei exemplares da Turma da Mônica ou qualquer outra publicação do Maurício de Sousa; nem adquiri mais uma edição de Mafalda ou Snoopy; não escolhi nenhum super-herói do universo Marvel ou DC Comics.

Radicalizei, comprei uma coleção de revistinhas em formato mangá (desenho japonês) que conta, de modo bem interessante, as narrativas bíblicas. Adquiri três volumes: o primeiro, descreve os fatos narrados nos Evangelhos sobre o ministério de Jesus; o segundo, relata a conversão de Paulo e seus feitos registrados no livro de Atos dos Apóstolos; e o terceiro, conta fatos do Antigo Testamento, da Criação até Moisés.

Como eu já conhecia os dois primeiros volumes e tinha dado uma espiadinha, resolvi ler o terceiro intitulado “Mangá Motim”. Estava tudo indo bem, realizando minha leitura despretensiosa, querendo apenas relaxar e me entreter, até que cheguei na história da torre de Babel. Não que nessa versão eu tenha visto algo diferente do que já conhecia do relato bíblico. Mas, quando li a expressão “vamos construir uma torre até os céus! Ficaremos famosos e não seremos espalhados pela face da terra”, foi inevitável o pensamento: meu Deus! Essa é a manifesta pretensão das igrejas hoje em dia!

No contexto evangélico, as igrejas assemelham-se, conscientes ou não, a Babel. Possuem o ardente propósito de construir e perpetuar suas denominações, enclausurando-se cada vez mais nas quatro paredes, querendo com isso fama, poder e prestígio. Quanto maior sua Babel mais cheias de si ficam.

Seus líderes, em especial, acham-se os donos da verdade, chegando inclusive a tomar o lugar do próprio Deus; tornam-se arrogantes, não ousam a enxergar a sociedade a sua volta, como se a realidade girasse, exclusivamente, em torno de si. A obsessão pela fama, aliada à pretensa noção de pureza identitária, os levam a “não se espalhar”, ou seja, dividir o poder.

Esqueceram-se da missão da igreja que, de acordo com o teólogo Juan Luis Segundo, é ser sinal de salvação, e conscientizar o ser humano que o amor de Deus já se manifesta no mundo e os convida à prática do bem. Ao invés disso, tais líderes, transformaram a missão em números que só servem para aumentar o “prestígio” de suas babéis. “Quantos membros sua igreja possui?” “Quanto ela rende por mês?” tornam-se questões relevantes e recorrentes, entre outras de mesmo teor, ao referir-se ao desempenho de uma comunidade eclesiástica.

Nesse modelo missiológico, as pessoas não precisam ser conscientizadas, elas apenas precisam comparecer às reuniões, celebrações, eventos e cultos, tudo com o intuito de não permitir que elas se espalhem novamente. Juan Luis Segundo (in SOARES, 2005, p. 54) adverte que:

Para ser fiel à sua missão de transmitir a Palavra de Deus, a Igreja deve subordinar o fator numérico à qualidade de sua presença e significação, expressar a metamensagem da revelação com gestos concretos de amor, traduzir sempre de novo esta (meta)mensagem diante de novas circunstâncias históricas, construir-se como comunidade real e manter um constante diálogo com o mundo. A essência e função da Igreja definem-se pelo serviço e diálogo com o mundo, dado que a verdade proveniente da revelação, que ela anuncia, é maior que ela a Igreja mesma.

Para isso, as denominações teriam que abandonar seus projetos megalomaníacos, a lógica babelística que as configuram, em direção de outro projeto que tem como características o serviço, o diálogo e o amor. Nesta nova proposta não há espaço para vaidades individuais, projeções denominacionais, disputas pelo poder, enclausuramento ascético, imbecilização dos fiéis, perpetuação de dogmas e doutrinas, individualismo e egoismo.

Para os que continuam insistentemente a construir suas torres de Babel, edificando seus impérios, achando-se com isso, a própria manifestação da divindade na terra, o Senhor admoesta que “irá confundir os idiomas para que os grupos não se entendam”, com a esperança de que assim, e só assim, através da respeitosa atitude dialógica, finalmente compreendam a sua missão, espalhem-se e façam diferença na sociedade onde se inserem.

Bem, a confusão já começou… Minha esperança é que um dia todos entendam.

Cláudia Sales

*Percebi que o meu texto “Inadequações” não tinha sido publicado nesse blog. Apenas compartilhei com alguns colegas e amigos quando eu fazia parte de um grupo de discussão… Então, como o meu último texto faz referência a esse, resolvi finalmente publicá-lo. Não sei quais foram os motivos na época que me impediram de fazê-lo… mas antes tarde, do que nunca!

Não tenho muitas lembranças da minha infância. Tenho inveja do meu irmão André, do meu marido Geraldo e suas maravilhosas memórias; eles possuem o dom de descrever com riqueza de detalhes – dia, hora, evento – os fatos dos tempos de menino e adolescência. Minha mãe sempre que deseja lembrar-se de um fato logo diz: – Liga pro André que com certeza ele se lembra! Uma das poucas coisas que me recordo e que tem me acompanhado até os dias de hoje são minhas inadequações. Tentarei me explicar.

Lembro-me da menina extremamente tímida e magricela que eu era. Estudei em colégio de freiras, só para meninas… tentei me adequar, ser igual as meninas mais ‘populares’ do colégio. Mas enquanto elas faziam ballet, eu jogava ‘carimba’ e vollei; enquanto elas gostavam de escrever em seus diários, eu passava as tardes no colégio brincando de spiriball, ou ia jogar futebol com meus irmãos e os meninos da rua; elas gostavam de rosa, e eu de amarelo; elas não entendiam de futebol e eu torcia pelo Flamengo. Percebo mas claro do que nunca antes como eu era inadequada.

Na adolescência tenho mais recordações…. estudei no Marista Cearense, um dos melhores períodos da minha vida! Já era mais desinibida, minha classe tinha meninos e eu já não era tão ‘matusquela’. Mas ainda me sentia inadequada. A fase da adolescência é um periodo onde as meninas ficam mais vaidosas… preocupam-se com a estética, em chamar a atenção dos meninos, e fazem seus grupinhos. No meu caso, tinha outros prazeres… gostava de conversar com os meninos, ia para o colégio com a camisa do Flamengo toda vez que o time do coração ganhava, participava do clube de ciências e olimpíadas de matemática. Mas uma vez eu era inadequada.

O período da faculdade é o que tenho mais lembranças. Cursei durante seis anos o curso de arquitetura e urbanismo. Foi lá que fiz belíssimas amizades que perduram até hoje, conheci muitos lugares do Brasil em viajens com a ‘galera’ – Goiás, Belém, Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo, Ouro Preto, Natal etc. – esperimentei tudo que a vida podia me oferecer. Vivi minha juventude como se cada dia fosse o último – acho que por isso sinto tanta falta deste tempo…

Tentei me adequar de várias maneiras; fui católica, depois participei durante anos da igreja messiânica, fui do movimento estudantil, de diretórios acadêmicos, etc. até roqueira eu fui! Minha religião durante muito tempo foram as músicas do Nirvana, Metálica, Offspring, Red Hot Chilli Peppers, Pixes, Radio Head, Led Zeppelin, Pink Floyd, Beatles, etc…. até que entrei para igreja evangélica.

Lá achei verdadeiramente que tinha me encontrado, não precisaria mais me adequar, pois a promessa de que me aceitariam do jeito que eu era resolveria meus problemas. Deixei amigos, as viagens, as músicas, os sonhos. Fiz outras amizades, conheci outros ‘mundos’, outros sons e sonhos. Me apaixonei verdadeiramente pela proposta do Evangelho, mas nunca me conformei com as respostas simplistas dos meus pastores. Eu era um problema nos cultos de doutrinas, nas escolas bíblicas, nas reuniões de liderança e sem perceber, aos poucos fui novamente me inadequando.

Resolvi então fazer seminário. Foram quatro anos maravilhosos! Minha mãe sempre diz que se eu tivesse me dedicado ao curso de arquitetura o tanto que me dediquei no seminário hoje eu seria um Niemeiyer! Durante este período construí com outros colegas um diretório acadêmico – eu, Flávio, Elton, Thiago e Ítalo – montamos uma revista, um espaço onde colocaríamos nossas ideias, que pretensamente achávamos que mudaria o mundo. Sempre fui inconformada. Era o terror dos professores despreparados e amada por aqueles que gostavam de um boa e calorosa discussão.

Olho para minha vida e percebo que nunca me conformei com o que eu era, com o que eu sabia, com o que os outros me diziam e ensinavam. Tinha desejo de sempre me recriar, de ressurgir, repensar, rever… Acho que por isso me vejo hoje tão diferente daquela menina do colegial tímida e de pernas finas. Perco-me e me acho todos os dias e percebo hoje quão maravilhoso isso tem sido para minha vida!

Tenho hoje trinta anos e sou casada! Percebo que as inadequações me acompanham até hoje. Faço parte de um grupo onde as mulheres são uma minoria… e para piorar não me calo! Falo o que penso, o que não penso, falo direto – sem poesia e sem metáforas – o que torna minhas palavras muitas vezes sem a beleza esperada. Inadequada! Em um mundo onde a subjetividade é comum sou na maioria das vezes objetiva demais.

Penso então em desistir! Em ser como a maioria, simplesmente a mulher de algúem, a filha de alguém, ou ainda no futuro, a mãe de alguém. Não consigo… quero ser Cláudia, correndo o risco de muitas vezes não ser compreendida pelas suas inadequações, mas ainda assim, mais corajosa do que nunca, se posicionando, falando, escrevendo o que pensa e acredita. Na maioria das vezes sem poesia e sem metáforas, de modo claro e objetivo; arriscando-se sempre e instigando as pessoas a sua volta a não se conformarem com suas adequações, a sairem da suas “zonas de conforto”.

Não busco credos, nem catecismos, não quero respotas prontas, procuro uma espiritualidade existencialista, que me sirva agora, para esta vida! Minha fé está mais transbordante e apaixonante do que nunca, minha espiritualidade cada vez mais humana… talvez por isso, me sinto mais inadequada do que nunca… contudo ‘prefiro ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo’!

Cláudia Sales

Por ocasião desse texto, recebi uma das mais lindas demonstrações de carinho que compartilho com vocês!

Ave Cláudia, cheia de graça

Integridade tua, esperança nossa

Bendita sois vós de linhagem escassa

Alegria de quem te conhecer possa

Já sorvi bom bocado desse fel

Inadequada é, de minha pele a cor

No fluir dos dias usei como broquel

Curtir amizade serena com a dor

Intrigante é conhecer-te nas letras

Que te mostram assim tão igual

Nas coisas que fiz, nos risos nas tretas

Folguedos de menino, nada de mal…

Tivesses teu ímpeto contido

Tivesses calado tua ânsia

Não teria eu te conhecido

Não terias tu minha ressonância

Não te cale metamorfose ambulante

Salve! Salve santa inadequação!

Singelo é o som, é doce, abarcante

Da voz que sai de teu coração.

 
19.08.09

Fátima Clara

Não faz muitos anos que escrevi um texto chamado “Inadequações” (agosto/2009). Nesse, escrevo um pouco dos espaços que passei, pessoas que conheci e minhas crises em não conseguir me enquadrar nos padrões estabelecidos e nas expectativas depositadas sobre mim.

Falei, mesmo que de modo superficial, da menina tímida e magricela que preferia os esportes, ao invés das danças; que jogava bola com os meninos e torcia pelo Flamengo, ao invés das brincadeiras de meninas; que participava das olimpíadas de matemática e física, ao invés dos salões de beleza; que preferia ao heavy metal e o punk rock ao pop romântico. Essas e muitas outras inadequações, de fato, fizeram e fazem parte da minha história e as carregarei por toda a vida.

Mas, de uns tempos para cá, um outro tipo de inadequação tem se sobressaído dentre as demais: a inadequação religiosa. É fato que sempre escolhi caminhos pouco trilhados… Optei pelo labor teológico e pelo exercício de repensar a fé. “Uma igreja reformada sempre reformando”, era isso o que eu queria ser… uma espécie de “metamorfose ambulante” que jamais se conformaria com respostas simplistas, não abriria mão da dúvida, do questionamento, do ressignificar.

Sabia que esse caminho seria difícil, mas, sinceramente, nunca imaginei que atrairia para mim tanto repúdio e ojeriza. E pior, dos mais chegados… Sim, porque esperar que os que me conhecem “de ouvir falar” o rótulo de herege, apóstata, idólatra, condenada ao inferno e tantos outros adjetivos que não convém aqui dizer, eu já esperava. Para ser mais sincera, eu não tô nem aí para o que os fariseus de plantão e os defensores da “reta doutrina” dizem ao meu respeito. Mas, honestamente, não esperava isso dos que me conhecem “de comigo estar”. O fato é que me sinto descartável…

Pessoas que conheceram e conhecem minhas obras, que andaram comigo em evangelismos nos Tapebas, que viram de perto meu trabalho com crianças e adolescentes, que escutaram de perto minhas pregações, que me diziam que fui um canal de bençãos para suas vidas, hoje me viram as costas pelo simples fato de pensar diferente da maioria. Criticam-me pelas costas, riem de mim de forma sutil, difamam o meu nome e jogam na lata do lixo anos de companheirismo e respeito. Deixei de ser benção para tornar-me maldição. Mais uma vez, inadequada…

Nessa roda viva, cansei de me explicar, de me fazer entender por aqueles que claramente não o querem fazer. Prometi a mim mesma que o silêncio será minha melhor resposta e o tempo o melhor remédio. Até porque não tenho mais nada a dizer, minhas obras são conhecidas, meu caráter coloco a prova diariamente, e minha fé faz com que eu continue a caminhada. Na angustia lembro-me das palavras de Paulo:

De todos os lados somos pressionados, mas não desanimados; ficamos perplexos, mas não desesperados; somos perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não destruídos. Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo. (…) Está escrito: “Cri, por isso falei”. Com esse mesmo espírito de fé nós também cremos e, por isso, falamos (…) Por isso não desanimamos. Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia, pois os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles. Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno. (2a. Carta de Paulo aos Corintios 4:8-10;13;16-18)

Sigo adiante na minha jornada, sabendo que é apenas o começo! Peço ao Senhor que renove minhas forças como a da águia; que console minha alma com o Seu santo Espírito, para que eu não me sinta desamparada; que me dê sabedoria para falar, mas também para calar quando for preciso; e que me encha do Seu amor, para que eu não odeie os que me perseguem.

Não posso voltar atras, muito menos parar. O caminho que escolhi para mim é longo e eu mal comecei a trilhar nele. Me encanto a cada passo, fortaleço a minha fé a cada quilômetro percorrido. O solo por onde piso não é os da certeza e do conformismo, e sim o da dúvida e do questionamento. Sei que não descansarei a sombra das multidões… muitas vezes não terei onde “reclinar a cabeça”. Mas não desanimarei!

Sei que encontrarei nesse caminhar quem poderei verdadeiramente chamar de amigo. Sei que encontrarei os “sete mil que não se curvaram a Baal” e com eles ajudarei a construir o Reino de Deus que já está no meio de nós.

RESPOSTA (Maysa)

Ninguém pode calar dentre mim
Esta chama que não vai passar
É mais forte que eu
E não quero dela me afastar

Eu não posso explicar quando foi
E nem quando ela veio
E só digo o que penso, só faço o que gosto
E aquilo que creio

Se alguém não quiser entender
E falar, pois que fale
Eu não vou me importar com a maldade
De quem nada sabe
E se alguém interessa saber
Sou bem feliz assim
Muito mais do que quem já falou
Ou vai falar de mim

 

Depois de toda discussão sobre a lei da união homoafetiva resolvi me pronunciar. Como vocês mesmo devem já terem percebido, eu não sou do tipo que se omite, muito menos que fica em cima do muro. Então, serei  breve no que tenho a dizer quanto a esta questão.

Não usarei aqui, como diria meu querido amigo Marcos Monteiro, de sutileza semântica, nem de complicação linguística. Como geralmente não faço poesia (não que eu já não tenha tentado, ou tenha orgulho disso) e costumo escrever em prosa, vou conversando, mesmo que de modo simplificado, o que pude perceber de todo esse frenesi!

Em primeiro lugar, percebo que Jesus de Narazé se coloca em defesa das minorias. Desde os direitos das mulheres, defendido por Jesus em uma sociedade patriarcal – logo machista – até os direitos dos negros defendidos pelo pastor Martin Luther King Jr., fica perceptível a luta por parte dos que se dizem seguidores do evangelho para dar voz e vez às minorias perseguidas e marginalizadas.

Nada é mais emblemático do que o diálogo de Jesus com a mulher samaritana. “Dá-me de beber”, diz o Galileu. A surpresa foi tamanha que a mulher responde: “como sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?” Como pode uma mulher, samaritana, tendo vivido com vários maridos e, então, amancebada com o último, dar de beber ao próprio Deus?

Simples. Jesus não estava preocupado com sua reputação diante dos sacerdotes de plantão, nem mesmo de seus discípulos – que também não viram com bons olhos o gesto de seu mestre. O seu compromisso não era com a reputação, mas sim com a justiça e a dignidade humana. E nós que nos afirmamos seguidores dEle deveríamos fazer o mesmo.

Em segundo lugar, entendo que o evangelho é a filosofia do amor contra qualquer indiferença. Como diria Lulu Santos, deveríamos considerar “justa toda forma de amor”, ou ainda nas palavras de Milton Nascimento e Caetano Veloso “qualquer maneira de amor vale amar; qualquer maneira de amor vale a pena; qualquer maneira de amor valerá”. Contudo, não é este o entendimento que configura a concepção da maioria dos religiosos sobre o assunto. Pelo contrário, expressam-se com ojeriza, de uma forma a repulsar ostensivamente toda manifestação amorosa que não se enquadre no padrão estabelecido tradicionalmente por seus moldes pretensamente inquestionáveis.

Nunca vi tanto ódio sendo destilado por pessoas do meio evangélico, que se dizem defensoras do amor incondicional de Deus. Escondendo-se por trás de um discurso do “amo o pecador, mas odeio o pecado”, se acham no direito de julgar, demonizar, “crucificar”.

Assumem o papel de juiz e de modo desumano querem a qualquer preço separar o que é “joio e o que é trigo”, e dar a palavra final sobre a vida e espiritualidade das pessoas. Sendo assim, poderíamos ser reconhecidos como a religião do amor, se nossas práticas só refletem ódio e guerra? Ao que parece, existe é certo prazer sádico em condenar ao inferno…

E em terceiro lugar, a luta pela justiça é algo que deve garantir o bem estar de todos independentemente de raça, crença ou sexualidade. Jesus, em seu mais famoso sermão nos ensina que “bemaventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão saciados” (Mateus, 5:6). Em outras palavras, a justiça deveria ser algo tão imprescindível para nós quanto à vontade de comer! Fome de justiça!

Contudo, o que parece latente no movimento evangélico é que a “luta pela justiça” só deve ser perseguida se esta incorrer em benefício particular de alguma forma… algo totalmente mesquinho e anticristão, uma vez que no cristianismo o princípio fundamental que nos identifica é a busca do bem estar do outro (“eu vim para servir, e não para ser servido”).

Esquecem-se (ou por ignorância não sabem) que a justiça não está a favor de um grupo, ou uma classe social, raça, partido político, etc. Não se pode falar de promoção da justiça sem falar de respeito e na igualdade de todos os cidadãos. Todavia, isso só pode ser possível por intermédio da preservação dos direitos em sua forma legal e da sua aplicação.

Antes de sermos negros, gays, evangélicos, petistas, amarelos, viúvos, crianças, budistas, mulheres, velhos, ou qualquer outro rótulo que nos classifique e nos distinga, somos seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus, cidadãos com deveres e direitos que devem ser garantidos para o bem estar de todos e o exercício da cidadania. Todos nós temos (ou deveríamos ter) o direito de nascer, comer, estudar, morar com dignidade, casar, descasar, ir, vir, expressar-se, etc. Essa é a nossa luta! Garantir que todos possam exercer seus direitos na sua plenitude. Nisso fazemos justiça e somos saciados!

Quero ainda dizer que este texto não reflete nenhuma ideia institucional, ele é fruto de uma reflexão pessoal. Falo isso porque não quero que vinculem minhas palavras a nenhuma denominação religiosa, e nem usem meus escritos como pretexto para sistematizar o pensamento de alguma instituição com o intuito de rotulá-la. De jeito nenhum! Tudo o que penso e escrevo é de minha responsabilidade e não me envergonho de expor a quem quer que seja.

Sei que causarei o repudio de muitos e tantos outros me rotularão de herege. Não me incomodo com isso. Meu compromisso não é com uma tradição engessada que não ousa reinventar-se historicamente, e sim com a justiça, o amor e o evangelho de Jesus que não faz acepção de pessoas. Termino esse texto com uma poesia do meu amigo Jeyson Rodrigues[1], companheiro de fé, luta e resistência:

BELEZ’ENTRE CURVAS

Eis um corpo de femininas curvas
Tocando outro corpo, outras femininas curvas
Curvas que tocam deslizando: música
Dança das curvas ao som
Ao som gerado entre curvas
Amor em curvas, toques e músicas

Se dois femininos corpos em curvas
Se amam e desejam tocar-se
Que as curvas de uma, misturem
Às belas curvas da outra
E que os dedos dedilhem, tocando
As cordas, os braços, as bocas
Enquanto fluem das curvas
A arte amada, em notas agudas
Na feminina música de quem ama
O feminino corpo de sons em curvas

Se as curvas se amam e querem o toque
Que se toquem, que se amem, nuas
Que se desliz’em sonoros, dedilhados
No amor dum só gênero, artístico
Na arte erótica do amor entre curvas
Que se sonorizam e artem
Que se amam, se tocam
Que se querem e se deixam tocar-se

Toda curva é bela
Todo amor é santo
Todo toque é arte
Toda nudez é pura
E o amor que se curva
À belez’entre curvas
É amor artístico, belo e amante
É amante do amor
Da feminina beleza
E da belez’entre curvas

Cláudia Sales


[1] Teólogo pluralista, estudante de Ciência das Religiões pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e de Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas. Lecionou História do Cristianismo no Seminário Teológico Batista de Alagoas. Livre-pensador. Blog: http://jeysonrodrigues.blogspot.com/

Faz exatamente 13 anos que conheci e me congrego (de alguma forma) na igreja Betesda e naquela época, meados de 1998, eu já escutava de forma encantada o seu discurso de vanguarda e percebia notoriamente as insatisfações dos mais conservadores e a euforia dos mais progressistas. Mas, ainda que dividida entre essas dua alas (ou melhor dizendo, rótulos), existia, mesmo que de forma ilusória, um espírito de unidade e uma tentativa de se construir uma identidade para a Betesda.

Lembro-me bem que, ainda na gestão do nosso querido Allison, essas questões sobre identidade, teologia, poder, fundamentalismos, liberalismos borbulhavam pelos corredores. Claro que não foi do dia para noite que muitas igrejas decidiram que não queriam mais caminhar junto com a Betesda, esse foi um processo lento, mas continuo.

Anos se passaram para que um dos piores traumas para a Instituição Betesda acontecesse de fato. Rachas, “amizades” desfeitas, pessoas magoadas… muita coisa aconteceu. Mas, algo de positivo poderíamos tirar de todo esse processo doloroso: em 2007, pastores e membros, especialmente os da Betesda do Ceará, tiveram uma rica oportunidade de se pronunciarem e escolherem que caminhos gostariam de trilhar.

Em tese, e só em tese mesmo, quem resolvesse ficar na Betesda do Ceará, não estaria simplesmente abraçando as ideias de sua igreja local, ou protegendo os interesses do seu “pequeno vaticano” particular. Quem se propôs a ficar estaria disposto a continuar a andar numa trilha sem volta, um caminho de reflexão que na grande maioria das vezes desagradaria a um público evangélico fundamentalista, conservador, bairrista e preconceituoso.

Um caminho estreito, árduo, que não tem a “glória” das multidões, a aceitação da mesa dos escarnecedores, nem o sucesso financeiro prometidos pelos pseudos televangelistas de plantão. Não seríamos mais chamados para pregar nos grandes eventos gospel, nossos nomes seriam muitas vezes difamados… mas, em contrapartida, esse caminho estaria comprometido com a promoção da justiça e a construção de um mundo melhor hoje, um Reino de Deus que se instaura por intermédio de mãos e pés de carne.

Infelizmente, quando olho hoje para a Betesda do Ceará o que vejo? Visualizo “franquias” fragmentadas e fundamentadas no cada um por si (e Deus por todos?), tentando a todo custo (questão de sobrevivência) aparecer novamente no cenário gospel, querendo “limpar-se” da “queimação de filme” que os afastaram da lógica evangélica (mas que nos trouxeram para mais próximo de Deus e do próximo). Negam assim, uma história de luta e resistência, de reflexão e companheirismo, em prol da lógica capitalista religiosa, do individualismo e do “se vira nos 30”.

Aliás, uma franquia é mais coerente do que temos aqui hoje no cenário da Betesda do Ceará. Porque quem deseja abrir uma franquia, seja ela qual for, no mínimo precisa acreditar no produto que está se propondo representar. Ter confiança na qualidade e respeitar a marca.

Digo tudo isso porque me sinto enlutada. De certa forma, a autonomia das igrejas Betesda do Ceará traz um desligamento da Betesda de São Paulo e o que restará aqui não passará de uma propaganda enganosa da Instituição Betesda, que sempre terá como referência o nome de seu maior representante Ricardo Gondim (mesmo que se tente negar, ou apagar isso).

Ao invés de se juntarem e fortalecerem uns aos outros para persistirem nessa caminhada, que sabíamos que não seria fácil, e que seria estreito, optaram pelo caminho largo, mais fácil e confortável de trilhar, porém, que traz como consequência mais isolamento, segregação, dicotomia entre Sudeste – Nordeste e que joga no lixo toda a luta e história de uma igreja que SEMPRE optou andar na contramão da lógica mercadológica e dogmática evangélica.

Declaro aqui que eu não concordo com esse isolamento “elegante” e decido continuar andando pelo caminho que escolhi em 1998. O caminho da reflexão e rupturas, o caminho da dúvida e das incertezas (pois só assim a fé faz sentido), o caminho mergulhado na Graça de Deus que anuncia o Reino que já está no meio de nós.

Ricardo, conte com meu apoio e carinho. Não continuo caminhando com você apenas pelo que você pensa, diz, ou escreve. Não quero apenas caminhar com sua teologia; quero caminhar com gente como você que erra, acerta, volta, repensa, constrói, desconstrói, perdoa, chora, ri, abraça, beija, ama. A grandiosidade da sua humanidade é o que mais me encanta e me convida a caminhar junto! Não abaixo, nem tão pouco acima, mas ao lado, como uma igual. Sinto-me honrada de fazer parte dessa história chamada Betesda. História essa escrita não com tinta, mas com o sangue e as lágrimas dos que persistem nessa eterna e constante construção.

Grata.

Cláudia Sales

O melhor ainda está por vir”